História da Profissão

Tradução no Brasil
Lia Wyler
Heloísa Gonçalves Barbosa

BARBOSA, Heloísa Gonçaves; Wyler, Lia (1998) “Brazilian tradition”. In: Mona Baker (org.) Encyclopedia of Translation Studies. London/New York: Routledge, p. 326-333.

Primeiros séculos: XVI a XVIII
- primeiros intérpretes
- primeiros tradutores
- língua franca

Últimos séculos: XVIII até hoje
- hegemonia do português
- história da tradução escrita
- organização da profissão
- ensino
- publicações

Introdução
148 milhões de habitantes (atualmente 190 milhões)
Maior país da América Latina
Etnias: indígenas brasileiros, africanos, asiáticos e europeus
Língua comum: português

Outros países lusófonos:
- Angola
- Cabo Verde
- Guiné-Bissau
- Moçambique
- Portugal
- São Tomé e Príncipe

Comunidade dos países de língua portuguesa
CPLP

17 de julho de 1996

Primeiros séculos (XVI a XVIII)
História do Brasil ¢ traduções e mudanças de língua.

Primeiros documentos: chegada de Pedro Álvares Cabral (1500).

População indígena na época: entre um e cinco milhões.

Centenas de línguas e dialetos: 120 grupos – 3 ramos/troncos linguísticos.
tupi - macro-gê - aruaque

Culturas, religiões, cosmogonias e tradições orais diversificadas.

Existência de pelo menos 2 línguas francas:
abanheenga (tronco tupi – falado em todo o litoral)
cariri (tronco macro-gê – interior do nordeste)

Povos ágrafos

Intercâmbio entre as tribos: supostamente mediante tradução oral

Diversidade provavelmente estimulava o bilinguismo ou plurilinguismo

Primeiros séculos
Primeiros intérpretes
Primeiro documento sobre o Brasil, carta de Pero Vaz de Caminha (1500), escrivão da frota de Cabral, registra um ato de tradução: como os portugueses e os índios tentaram se comunicar por mímica e como um degredado, Afonso Ribeiro, foi deixado com os indígenas para aprender a sua língua.

Deportados e aventureiros deixados no Brasil que aprendiam as línguas indígenas para atuar como intérpretes entre índios e europeus ¢ os línguas.

O número dos línguas cresce durante o período colonial.

Entre os mais importantes, dois náufragos: João Ramalho e Diogo Álvares.

João Ramalho: na região de Piratininga, formou uma aldeia povoada por portugueses e índios. Com Martim Afonso de Souza, fundou a primeira vila do Brasil, São Vicente (1532).

Diogo Álvares (o Caramurú): com Thomé de Souza, fundou a cidade de Salvador (1549).

Primeiros séculos
Primeiros tradutores
Chegada dos Jesuítas (1549) ¢ uma revolução linguística.

Indígenas do litoral, do Amazonas a Santa Catarina, falavam várias línguas pertencentes ao tronco tupi, e usavam uma língua franca, abanheenga.

Jesuítas se dedicam ao aprendizado da língua franca para seus fins missionários, escrevem gramáticas. Uma forma simplificada da língua franca, o nheengatu, mais tarde, tornou-se a “língua da terra”.

Logo começam a aparecer traduções de textos religiosos. Jesuítas como os primeiros tradutores do Brasil.

Padre João de Azpilcueta Navarro, língua e realizador da primeira tradução escrita no Brasil (A suma da doutrina cristã na língua tupi).

Padre José de Anchieta rebatiza a língua franca de “nheengatu” (= bela língua) e escreve uma gramática.

Padre Antônio de Araújo traduz para o nheengatu o Catecismo na língua brasílica (1618).

Primeiros séculos
Línguas francas
Línguas indígenas usadas para dominar os nativos. Primeiras expedições para o interior em 1513, para escravizar  índios e procurar pedras preciosas. Intérpretes são levados. Ex.: Francisco Buzo de Espiñoso (1564); Diogo de Castro (1578).

Invasões francesas, holandesas e inglesas entre 1503 e 1887. Francês, holandês, inglês e espanhol amplamente usados em Portugal pelas elites durante 300 anos. Tradição de multilinguismo e tradução durante todo o período colonial.

Até 1759, educação bilíngue nos colégios jesuítas: português e nheegatu. A língua da intimidade, falada nos lares, era o nheengatu. Intérpretes entre português e nheengatu necessários nos tribunais.

Marquês de Pombal, temendo o poder dos jesuítas no Novo Mundo, os expulsa de Portugal e do Brasil em 1759, proíbe o uso do nheengatu e fecha todos os colégios jesuítas.

Em torno de 1800, aproximadamente dois milhões dos pouco mais de três milhões de habitantes do Brasil eram negros e mulatos. Africanos trazidos como escravos desde 1530. Falavam ioruba, quimbundo e outras várias línguas. Duas línguas francas de origem africana: (1) nagô ou ioruba (Bahia) e quimbundo ou conguês (sul e norte).

História recente: século XVIII até hoje
Hegemonia do português
Povos indígenas dizimados até o século XVIII.

Chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808 consolidou a posição do português como principal língua no país. Encerrada a proibição de imprimir no Brasil, imposta desde 1500.

Criação da Imprensa Régia em 1808, com monopólio no país. Impressão e circulação de livros ainda controlada por censores até a independência do Brasil (1822). Circulação clandestina de livros. Uso do francês e quantidade de livros em francês em bibliotecas particulares indica que os brasileiros letrados não sentiam necessidade de tradução.

Após a independência, decidiu-se que o português continuaria sendo a língua oficial do país (Constituinte de 1823). Só então os brasileiros das várias regiões começaram a falar português entre si. O nheengatu e outras línguas francas foram esquecidas. Mas o português falado no Brasil foi profundamente influenciado por línguas indígenas e africanas e posteriormente por imigrações de origem diversa, e distanciou-se consideravelmente do português falado em Portugal.

História recente
História da tradução escrita
História da tradução no Brasil apenas começou a ser escrita. José Paulo Paes, Tradução, a ponte necessária (1990) como contribuição pioneira. Relato das dificuldades para o historiador. Dois fatores que contribuíram para essas dificuldades: editoras só puderam funcionar a partir do início do século XIX. Universidades foram criadas tardiamente (primeira no RJ, 1920).

Dados: tradutores profissionais reconhecidos pela primeira vez em 1808 (funcionários da Imprensa Régia). Primeira tradução da Imprensa Régia: Elementos de álgebra (publicada em 1809). Inicia um predomínio de tradução de manuais didáticos sobre matemática, engenharia, economia, saúde, geografia, filosofia... Primeira tradução literária em 1809.

Monopólio da Imprensa Régia acaba com a Independência. Começam a aparecer muitas traduções do francês ou usando o francês como língua intermediária.

Dificuldades para a produção de livros a custos viáveis no país até a Primeira Guerra.

Primeiras tentativas de produzir papel no Brasil em 1888 sem sucesso. Por volta de 1920 a indústria de papel começa a ser bem-sucedida, dependente da importação de celulose.

Aproximação da Segunda Guerra traz importantes mudanças: dificuldade de importação de livros favorece o crescimento de pequenas editoras brasileiras; inglês substitui o francês como principal língua fonte das traduções. De 1930 em diante, pequena editoras começam a surgir e as atividades de tradução com elas. Aumento do público leitor.

Dois escritores brasileiros com atuação especialmente importante no campo da tradução: Monteiro Lobato e Érico Veríssimo.

Nos anos 40 e 50, a editora José Olympio se destaca na publicação de traduções: publica a obra dos maiores escritores da época e os contrata para traduzir. Ex.: Manuel Bandeira, Raquel de Queirós, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga... Outras editoras no Rio e em São Paulo publicam traduções regularmente, também contratando escritores para traduzir.

“Hoje”: 400 obras literárias originalmente em Português por ano; 80% das publicações de todo tipo são traduções.

História recente
Organização da profissão
Profissão de tradutor jurídico (juramentado) regularizada em 1851.  Mulheres inicialmente não podiam exercer.  Traduções de documentos em língua estrangeira só poderiam ser aceitas se feitas por tradutores juramentados. Atualmente as Juntas Comerciais dos Estados nomeiam tradutores juramentados.

Código Civil de 1916 manteve o requisito e que documentos em língua estrangeira fossem traduzidos para o português.

1943: mulheres autorizadas a serem tradutoras juramentadas.

Desde 1959: aparecimento de associações de tradutores juramentados.

1988: Ministério do Trabalho reconhece a profissão de tradutor.

1974: fundada a ABRATES, por Paulo Rónai.

1988: membros da ABRATES criam o SINTRA. Padronização de contrato, tabela de preços, código de ética.

1971: fundada a APIC.

História recente
Formação de tradutores
Até 1960: não houve formação específica para tradutores no Brasil. Tradutores eram principalmente escritores renomados e pessoas que haviam aprendido línguas estrangeiras na faculdade ou no exterior, muitas vezes com graduação em Letras.

1960: Ministério da Educação autoriza faculdades de Letras a oferecer habilitações em tradução em nível superior.

Primeiros cursos: PUC/RJ e UFRGS. Em pouco tempo, 22 cursos foram criados em diversos pontos do país.

Pós-graduação: vários mestrados e doutorados em anos recentes.

1992: criação da ABRAPT, associação de pesquisadores.

História recente
Publicações
Impacto do livro pioneiro de Paulo Rónai (1907-1992), Escola de tradutores (1952), no estudo da tradução no Brasil. 1964: Homens contra Babel. 1976: A tradução vivida. Perspectiva prática, a partir de sua experiência como tradutor.

Vários trabalhos sobre teoria, prática e ensino de tradução publicados a partir de então. Também artigos, ensaios e revistas. Revistas Tradução & Comunicação (Unibero) e TradTerm (Citrat/USP).

Reflexões teóricas dos poetas concretos Augusto e Haroldo de Campos, inspiradas em Walter Benjamin, Roman Jakobson e Ezra Pound. Metáfora da “antropofagia” para a tradução, relacionada com o manifesto antropofágico de Oswald de Andrade. Uma das poucas contribuições brasileiras reconhecidas fora do país.